O caso da Braskem, maior petroquímica das Américas, controlada pelo grupo baiano Odebrecht (agora “Novonor”), ilustra como as mineradoras conseguem instalar um governo paralelo nos locais em que atuam e fechar acordos extremamente favoráveis mesmo quando são responsáveis por um desastre de grandes proporções.
Durante décadas, a Braskem minerou sal-gema em Maceió, capital de Alagoas, contando sempre com a generosidade da ditadura militar nos anos 70 e 80, de todos os governos estaduais e prefeitos eleitos desde então e com a anuência dos órgãos ambientais de fiscalização.
Feita de modo inadequado, desrespeitando todas as regras, as minas de sal-gema da Braskem foram exploradas perto uma das outras, em alguns casos encontrando-se para formar falhas que hoje são responsáveis pela destruição de 4 bairros de Maceió e pela remoção de 55 mil pessoas de suas casas.
Este é considerado “o maior desastre em área urbana em andamento” no mundo hoje. As casas passaram a apresentar rachaduras e afundamentos, com a fundação comprometida. Os bairros se tornaram bairros fantasmas e o cenário é de guerra.
A única opção dessas famílias foi aceitar um acordo com a Braskem que paga míseros R$ 81 mil reais para cada uma, insuficiente para adquirir um imóvel em outro lugar e certamente insuficiente para cobrir todos os danos causados.
Pior: a Braskem passou a ser dona dos 4 bairros – Pinheiro, Mutange, Bom Parto e Bebedouro. No longo prazo, esta área em região valorizada de Maceió pode significar até R$ 40 bilhões de reais para a petroquímica. E todo o dinheiro separado pela Braskem para arcar com o desastre causado por ela está em R$ 10 bilhões.
Trata-se de um dos piores crimes socioambientais da história do Brasil e do mundo transformado em lucro imobiliário. Não só não houve punição até o momento como a Braskem sai da história lucrando dezenas de bilhões de reais. A petroquímica, já instalada em área de grande valor ambiental, acaba de se apropriar de 3 quilômetros de orla e 300 hectares de área urbana em uma das melhores regiões de Maceió.
Esse acordo foi considerado aceitável pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que mediaram as tratativas por meio do pomposo “Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão”, que tem o objetivo de “mitigar as tragédias vividas por milhares de famílias”.
É este mesmo CNJ que está agora mediando um novo acordo pelo desastre de Mariana, causado por Vale e BHP em Minas Gerais e no Espírito Santo. Na mesa, acordos prévios desrespeitados durante 6 anos, um juiz considerado suspeito que solicitou a participação do CNJ e centenas de bilhões de reais.
Procurado para comentar os motivos de ter aceito um acordo tão desvantajoso para as famílias – ao contrário do que afirma em seu release publicado em fevereiro – o CNJ disse que “não irá mais se pronunciar sobre o caso”. O Ministério Público de Alagoas ficou em silêncio. Caso se manifeste, a reportagem será atualizada.
Lucro líquido de R$ 10 bilhões no 1º semestre de 2021 e empresa mais valorizada da Bolsa
Em junho de 2019 eu publiquei uma matéria sobre esse escandaloso caso da Braskem em Maceió aqui no Observatório. Na época, destaquei que o lucro líquido da empresa em 2018 e 2019, somados, alcançava R$ 7 bilhões.
Esse valor agora soa bem “tímido” diante do lucro registrado pela Braskem apenas no primeiro semestre de 2021: R$ 10 bilhões. Exatamente o valor que a empresa pretende usar para reparar o crime cometido por ela em Maceió.
Em meros 6 meses de lucro, portanto, a Braskem já lucrou o suficiente para arcar com os danos causados diretamente a mais de 55 mil pessoas, à cidade de Maceió e ao estado de Alagoas.
O maior desastre urbano do mundo não afetou em nada os resultados da companhia. Além do lucro, a receita líquida da Braskem no segundo trimestre subiu 136% na comparação anual e 16% em relação ao primeiro trimestre, a R$ 26,4 bilhões.
O resultado operacional recorrente da petroquímica alcançou R$ 9,4 bilhões entre abril e junho, com crescimento de 522% na comparação anual e de 35% ante o primeiro trimestre.
Não é “só” isso. A Braskem também é a empresa com o melhor desempenho do Ibovespa no acumulado do ano, com ganhos de 145,3% até 04 de agosto. No período, o índice geral de valorização ficou em 2,3%.
Investir na Braskem é um ótimo negócio. Tanto que Roberto Simões, presidente-executivo da Braskem, pretende uma retomada no pagamento de dividendos aos acionistas em breve.
O lucro é sempre privado e o prejuízo fica sempre para a sociedade, como o caso da Braskem em Maceió ilustra e como desastres causados por mineradoras sempre provam, no Brasil e no mundo.
E não deve parar por aí. “Embora acreditemos que o segundo trimestre tenha marcado um ciclo de alta para a Braskem, continuamos projetando resultados muito acima da média nos próximos trimestres”, projetam analistas do banco Morgan Stanley.
Documentário mostra o que restou para os moradores
Recém-lançado, o documentário “A Braskem passou por aqui: a catástrofe de Maceió”, de Carlos Pronzato, reúne uma série de depoimentos valiosos de moradores expulsos de suas casas, pesquisadores, pequenos empresários afetados, técnicos da Defesa Civil e pessoas chave envolvidas no caso.
Está disponível completo no You Tube e recomendo muitíssimo que você assista:
Dezenas de milhares de imóveis estão na área de remoção. 30 mil empregos foram perdidos. Os desabamentos das minas ocorrem há mais de dez anos, já tendo formado crateras subterrâneas do tamanho do Complexo Esportivo do Maracanã.
Em maio, a Força-Tarefa que cuida do caso precisou exigir que a Braskem explique por escrito aos moradores que critérios tem usado para avaliar o valor de cada imóvel. Muitos moradores acreditam que as avalições são equivocadas e as propostas de compensação chegam com valores bem inferiores se comparadas ao o que os imóveis realmente valem.
Os procuradores tentam que um comitê defina como será gerido os recursos pagos pela Braskem por danos sociais e morais coletivos. Até o momento, afirmam, os atingidos não foram ouvidos em todo o processo. Por tudo isso, moradores buscam compensação na Holanda.
* Matéria obtida no site Observatório da Mineração (leia na íntegra com manifestações da empresa e do MP) - link para a matéria
SOBRE O AUTOR
Fundador do Observatório da Mineração, centro de jornalismo investigativo focado no setor extrativo criado em 2015. Repórter com centenas de matérias publicadas na mídia brasileira e internacional (Mongabay, Reuters, UOL Notícias, El País, Repórter Brasil, Intercept, Pulitzer Center, OCCRP, Folha de S. Paulo e outros).
Eleito um dos três jornalistas mais relevantes do Brasil no setor de Mineração, Metalurgia e Siderurgia pelo Prêmio Especialistas de 2021, em votação espontânea. Vencedor do Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (2019). Especializado em Mineração, Amazônia, Cerrado, Direitos Humanos, Justiça, Lobby e Crise Climática.
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